Há muito tempo que o conceito de ser vivo vem sendo incessantemente discutido. Os critérios que fazem algo ser vivo dividem os cientistas, alguns propõem a necessidade de existência de célula como requisito principal para um ser estar vivo, outros propõe a existência de metabolismo ou a existência de código genético. Quem ganha um enfoque nessa discussão são os vírus, afinal, se reproduzem e tem código genético, porém não tem metabolismo e precisam de outra célula para se reproduzir. Em meio a essas discussões surge um agente infeccioso ainda mais intrigante: o príon, termo que se refere às proteínas causadoras de algumas doenças neurodegenerativas fatais, em diversos mamíferos, inclusive nos seres humanos.
O termo príon, a união da palavras "protein" e "infectious", foi criado em 1982 pelo médico neurologista Stanley B. Prusiner, que resolveu trabalhar com o tema em 1972, ainda em sua residência médica em Neurologia, quando atendeu uma paciente que possuía uma rara doença neurodegenerativa chamada de Doença de Creutzfeldt-Jakob(CJD), o caso o deixou intrigado. Na época essa doença e outras como a Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE), conhecida como Doença da Vaca Louca e o kuru tinham a causa atribuída a um suposto vírus lento, que recebia a designação de lento pois levava meses ou até anos para se manifestar no corpo do indivíduo infectado, porém, após os primeiros sintomas surgirem, em geral os portadores da doença faleciam em 1 ano. O responsável pela formulação da hipótese do vírus lento, posteriormente contestada por Prusiner, foi Daniel C. Gajdusek ganhador do Nobel de 1976, que também descobriu que a doença era contagiosa ao injetar extratos do sistema nervoso central de um indivíduo infectado em um chimpanzé saudável e observar a doença se manifestar após anos, além disso relacionou o kuru, seu objeto de pesquisa, que atingia habitantes da Papua Nova Guiné ao ritual antropofágico que esse indivíduos realizavam se alimentando do cérebro de parentes mortos.
Voltando a teoria de Prusiner é possível dizer que ela gerou e ainda gera muitas discussões pois contesta o Dogma Central da Biologia de Watson e Crick que propõe a necessidade de material genético para a produção de proteínas, ainda assim proporcionou a Prusiner o Nobel da Medicina em 1997. O neurologista desenvolveu sua tese através de experimentos com hamsters infectados, ao isolar o agente infeccioso teve uma grande surpresa e encontrou apenas proteínas, sem código genético.
A grande dúvida de todos os indivíduos para com os príons e as doenças causadas por ele consiste na forma com que essas proteínas agem no corpo dos animais causando as doenças. Afinal, como o príon age no organismo?
Com o avanço das Ciências e da Tecnologia foi possível descobrir que as diversas doenças causadas por prions podem ser: herdada geneticamente, adquirida através do ambiente (tanto com ingestão de alimentos quanto por exposição de cortes a objetos contaminados) ou também adquiridas espontaneamente por mutação. Atualmente sabe-se que todos os mamíferos possuem o gene para a proteína que forma o príon em uma forma normal PrPc. Porém existe também uma forma modificada, a PrPsc, de estrutura terciária (a forma ‘geométrica’ da proteína) diferente, que varia de acordo com a doença que provoca, é extremamente estável, resistente a radiação, desnaturação por calor, digestão e desinfetantes, o que torna ainda mais difícil de ser combatida. A doença ocorre quando essa forma modificada (PrPsc) entra em contato com as proteínas saudáveis e modifica sua estrutura terciária, o processo então ocorre repetidas vezes, tornando o cérebro repleto de proteínas modificadas, que se aglomeram e vão transformando as proteínas saudáveis em proteínas modificadas, a proteína saudável, presente nas membranas em especial dos neurônios ao ser transformada no príon causador de doenças deixa de realizar suas funções comuns, que nos últimos tempos descobriu-se que estão relacionadas com desenvolvimento dos neurônios e o equilíbrio do sistema de defesa. Com isso as proteínas modificadas se aglomeram e causam uma infecção, matando neurônios e deixando o cérebro com um aspecto de esponja em decorrência das células mortas.
Hoje são conhecidas muitas doenças causadas por príons, entre elas estão as encefalopatias espongiformes transmissíveis, que afetam o cérebro e o sistema nervoso de vários animais (incluindo humanos) causando mudanças de humor, problemas com controle muscular e perda de memória.
A primeira doença priônica documentada em 1732 foi o scrapie que afeta ovelhas e cabras. O príon entra no organismo através do intestino ou de cortes na pele e faz as proteínas das ovelhas mudarem sua estrutura terciária (forma) para a mesma estrutura terciária do príon e o acúmulo dessas proteínas, principalmente nos neurônios, acaba matando as células nervosas. Assim como as outras doenças priônicas, possui um grande período de incubação variando entre um e dois anos. Os primeiros sintomas são mudanças no comportamento deixando a ovelha mais agressiva, depois aparecem sintomas como: perda de coordenação motora, convulsões e coceira. O que ocorre com esses animais é assustador. O animal se coça compulsivamente, esfregando-se contra paredes, grades e objetos em geral com força, geralmente perdendo uma porção da pelagem e adquirindo lesões na pele. A doença em estado avançado faz o animal parar de se alimentar. Infelizmente, como não há tratamento para essa doença, geralmente os animais são sacrificados.
Outra doença causada por príons é a encefalopatia espongiforme bovina (SBE), conhecida popularmente como "doença da vaca louca". Como o próprio nome diz, afeta bois e vacas. Possui um grande tempo de incubação, leva de 4 a 5 anos até aparecerem os primeiros sintomas no boi e depois desses primeiros sintomas o animal morre em até 6 meses. Os animais com SBE apresentam reações exageradas aos estímulos, irritabilidade e dificuldade em se movimentar. A epidemia da “doença da vaca louca” é ligada ao consumo de ração bovina feita de farinha de ossos e de carne de bovinos. E diferente do scrapie, a SBE afeta os humanos visto que o consumo de carne bovina contaminada causa nestes a doença de Creutzfeldt-Jakob (CJD), outra doença priônica.
A doença de Creutzfeldt-Jakob (CJD) é a doença priônica muitas vezes conhecida como a versão humana da “doença da vaca louca” (SBE). Ela afeta uma pessoa a cada um milhão e assim como as outras doenças priônicas, faz com que os cérebros dos afetados pareçam uma esponja, cheia de pequenos furos. Um dos primeiros sintomas da CJD é a perda de coordenação motora, seguida de perda de memória e de juízo, e problemas de visão. Pessoas com CJD podem ter insônia ou depressão também. Outro sintoma característico da doença é um quadro de demência que evolui rapidamente.
Além da doença de Creutzfeldt- Jakob, existe outra doença intrigante que afeta humanos: Kuru, que na língua do povo Fore, habitante da Papua Nova Guiné significa tremor de medo. Essa doença, também priônica, se espalhou rapidamente pela população Fore por causa dos rituais funerários, em que se praticava canibalismo com os mortos, o que levava os príons a contaminar cada vez mais indivíduos, causando uma epidemia na região. Os sintomas clássicos de Kuru são episódios de tremedeiras, e ataques patológicos de risadas. Outros sintomas são: dificuldade ou perda na habilidade de mastigar ou engolir e incapacidade de andar. Um fato interessante sobre isso é que se percebeu que os sobreviventes da epidemia de Kuru apresentavam uma variação da proteína príon G127V resistente a infecção por príons.
Por fim, temos a encefalopatia espongiforme felina (FSE), uma doença priônica que afeta o cérebro dos felinos, tanto selvagens como domésticos. A FSE é causada pelo mesmo patógeno que causa a SBE (“doença da vaca louca”) no gado, e é provável, que os felinos contraiam essa doença ao comer a carne bovina contaminada com SBE. Os sintomas iniciais são quadros de agressão anormais ou uma timidez não usual. Com outros sintomas sendo ataxia (falta de coordenação motora e de equilíbrio) e mudança no jeito de andar. Alguns gatos apresentam tremores, excesso de salivação e pupilas dilatadas. Nos estágios terminais da doença é observado sonolência e quadros de convulsões.
Infelizmente, não se conhece a cura para nenhuma dessas doenças causadas por príons, porém, há muitas descobertas sobre o assunto. Através das pesquisas, cientistas puderam relacionar as doenças causadas por príons com o mal de Alzheimer, que ainda representa uma grande incógnita para toda a comunidade científica. Descobriu-se que o Alzheimer, que assim como as doenças causadas por príons está relacionado a aglomeração de proteínas, chamadas de beta-amiloides. Descobriu-se também que tanto nas doenças causadas por príons quanto no mal de Alzheimer, mal de Parkinson, mal de Huntington, diabetes tipo 2 e esclerose lateral amiotrófica as proteínas causadoras das doenças se espalham da mesma forma.
Os príons há muito tempo são objetos de estudo e mistério e podem representar a chave para compreendermos doenças que se tornam cada vez mais comuns em países como o nosso, no qual a população está envelhecendo. Representam também a chave para promover aos habitantes qualidade de vida e direito a viver sem dificuldades.
Por Victoria Maia e Bruno Pasini
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